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No contexto da Reforma da Previdência Social no Brasil, André Langer, professor na Faculdade Vicentina de Curitiba, garimpou argumentos favoráveis à Previdência Social ou, mais amplamente, Seguridade Social, no Ensino Social da Igreja. O artigo foi publicado na revista eletrônica do IHU, no dia 23 de julho de 2019. Pelo reduzido espaço que temos na Revista Integração, destaco algumas das descobertas do professor André Langer.
Pe. Roque Hammes
Desde os primórdios do Ensino Social da Igreja, o trabalho tem a primazia na relação capital e trabalho. A ele estão relacionados uma série de outros direitos, entre os quais se inscrevem os direitos ao seguro social e à previdência social.
Historicamente, a Igreja, através de suas obras de caridade e benemerência, teve um papel relevante na proteção dos pobres e necessitados, afirmando o direito à garantia a um nível mínimo de subsistência, ação que a Igreja denomina de “dignificação da pessoa humana”.
Em 1891, na encíclica Rerum Novarum, Leão XIII afirmou que “o Estado deve servir o interesse comum” e ser protetor dos mais pobres, que contam, “principalmente com a proteção do Estado”. Por isso, o Estado deve constituir um “fundo de reserva” destinado a “fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna”.
Pio XI, em 1937 afirmou que se deve evitar a pobreza e prestigiar medidas como seguros públicos e privados para os tempos de velhice, doença ou de desemprego.
Em 1961, João XXIII escreveu na Mater et Magistra que “os seguros sociais e a previdência social são instrumentos eficazes para contribuir para uma justa e equitativa distribuição da renda e, consequentemente, para uma redução das diferenças entre as diferentes categorias sociais”. Em 1963, na Pacem in Terris, ele escreveu que “a pessoa tem o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, etc”.
Os bispos participantes do Concílio Vaticano II escreveram que “o conjunto de instituições sociais de previdência e seguridade social pode contribuir substancialmente para a efetivação do princípio da destinação universal dos bens” (GS).
João Paulo II, na encíclica Laborem Exercens publicada em 1981, escreveu que “ao lado do salário, entram em jogo outras subvenções sociais que têm como finalidade assegurar a vida e a saúde dos trabalhadores e a das suas famílias. As despesas relacionadas com as necessidades de cuidar da saúde, especialmente em caso de acidente no trabalho, exigem que o trabalhador tenha facilmente acesso à assistência sanitária; e isto, na medida do possível, a preços reduzidos ou mesmo gratuitamente. (...) E trata-se, ainda, do direito à pensão de aposentadoria para os casos de acidentes de trabalho”. Note-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) incorpora de maneira inovadora o elemento da gratuidade proposto na encíclica, direito que, no contexto de políticas com viés de ajuste fiscal, está sob franco ataque.
Na Caritas in Veritate, Bento XVI acenou, em 2009, para uma tendência preocupante no mundo: o mercado financeirizado e globalizado força a redução de impostos e a desregulamentação do mundo do trabalho, assim como o corte de investimentos nas áreas sociais. “Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social”. Com isso, “os sistemas de segurança social podem perder a capacidade de desempenhar a sua função, quer nos países emergentes, quer nos países desenvolvidos há mais tempo, quer naturalmente nos países pobres. (...) As políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social (...) podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos”.
Falando aos dirigentes e funcionários do Instituto Italiano para a Seguridade Social, em 2015, o Papa Francisco disse: “A vossa difícil tarefa é contribuir a fim de que não faltem as subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias. (...) Nunca falte a garantia para a velhice, a enfermidade, os acidentes relacionados com o trabalho. Não falte o direito à aposentadoria, e sublinho: o direito – a aposentadoria é um direito! –, porque disto é que se trata”. Na Laudato Si (2015), o mesmo Francisco recorda que “o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida econômico-social”. “Renunciar ao investimento nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade”.
O episcopado Latino-Americano, no documento de Santo Domingo (1992), afirmou a necessidade de “apoiar as organizações próprias dos homens do trabalho para a defesa de seus legítimos direitos, em especial de um salário suficiente e de uma justa proteção social para a velhice, a doença e o desemprego”.
A CNBB, em nota divulgada em 2017, diz que “o sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidade...), particularmente as mais pobres”. E, durante a sua 57ª Assembleia Geral, realizada em maio do presente ano, a entidade assim se manifesta: “As necessárias reformas política, tributária e da previdência só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres”.
Concluindo, nunca é demais recordar Paulo VI, que disse na segunda metade da década de 1960 que “o mundo está doente” e que o diagnóstico consiste na “crise de fraternidade entre os homens e entres os povos” (PP 66). Hoje, e no contexto das questões aqui em jogo, podemos acrescentar que o mal consiste também na falta de solidariedade.
Que estas linhas possam ajudar na reflexão e no discernimento nesta hora da história que exige a nossa responsabilidade social e cristã!
Autor: André Langer Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/590979-a-previdencia-social-no-ensino-social-da-igreja